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Brasília, DF, Brazil
Jornalista, assessor de comunicação com passagem pelo WWF-Brasil, Contag, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Embrapa.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Tragédias ambientais: a banalização do previsível

Gadelha Neto

Enchentes, deslizamentos, desalojamentos e mortes. Ingredientes de uma receita do descaso. Todos os anos, a esta altura do ano, as tragédias se repetem e homens públicos vão aos jornais, anunciando recursos para reconstrução, atendimento aos atingidos etc. etc. etc.

A triste maioria dos acidentes ambientais e climáticos que ocorrem nesta época do ano têm origem na ocupação irregular – e ilegal – de encostas de morros e de margens de rios. São áreas em que o poder público tem pleno conhecimento, tanto da ilegalidade da ocupação, quanto das tragédias que fatalmente irão causar no próximo verão. Tragédias que, para as autoridades brasileiras, duram somente até o Carnaval.

O fato é que, com poucas exceções (Angra dos Reis este ano e Blumenau, anos atrás), são pobres, os atingidos. E para que o Estado não tenha que perder tempo oferecendo moradia digna e infra-estrutura adequada a esta população – da qual só precisa em tempo de eleições –, a remoção destas ocupações é procrastinada ad eternum, quando sequer cogitada.

Trata-se, em suma, de uma tragédia social, econômica e ambiental recorrente que, nem de longe, incomoda aos poderosos (mesmo quando, raramente, esta casta é atingida).

O fato é que é facílimo decretar “estado de calamidade” e deslocar recursos sem burocracia – e nisto, sim, o Estado é eficiente. O ideal é claro, seria não ter calamidade alguma – o que custaria bem mais barato, em dinheiro e em vidas humanas.

Isto já se sabia desde sempre. Só que a ONG Contas Abertas resolveu investigar e deu números ao descaso: Da previsão de gastos de 1,9 bilhão do Governo Federal para socorrer desastres em 2009, o governo gastou R$ 1,4 bilhão – ou 72% do total previsto.

Enquanto isto, foram originalmente destinados R$ 646,6 milhões para ações preventivas, dos quais apenas R$ 138 milhões foram efetivamente aplicados, ou seja 21% do orçamento.

As cifras falam por si. E imagino que os dados dos estados sejam ainda mais desanimadores.

“Lucro cessante ambiental” – O que os números não apontam, ainda, são os prejuízos causados aos chamados serviços ambientais, que são os benefícios oferecidos pela natureza, tais como a contenção de encostas (evitando deslizamentos) e de sedimentos que poderiam assorear os rios, elevando sua calha e causando inundações, entre outros serviços importantes.

As intervenções desordenadas verificadas na maioria das cidades brasileiras estancam completamente ou reduzem a capacidade de prestação destes serviços: o desmatamento, a ocupação de Áreas de Proteção Ambiental, a impermeabilização do solo (asfalto, calçamentos etc.), são exemplos cotidianos do desrespeito a serviços que poderiam poupar muito dinheiro público e, acima de tudo: poupar vidas humanas.

E os números relativos ao socorro a tragédias absolutamente previsíveis irão, infelizmente, crescer. O planeta assistiu, estarrecido, ao circo do absurdo representado em Copenhague. O que ocorreu ali dá a dimensão exata do diminuto respeito dispensado pela maioria dos países à questão das mudanças climáticas.

Pois lembremo-nos de que um dos efeitos imediatos do aquecimento global é exatamente o de tornar mais frequentes e severos os eventos climáticos extremos. Assim, não é preciso ser muito perspicaz para saber que mais e mais vidas serão tomadas ao longo dos próximos anos, mantido este cenário de desrespeito e desinteresse.