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Brasília, DF, Brazil
Jornalista, assessor de comunicação com passagem pelo WWF-Brasil, Contag, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Embrapa.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Soberania de quem, cara pálida?

Ultimamente, temos assistido a uma histeria-pátria-amada-salve-salve – até certo ponto explicável mas, em grande parte, produzida por má-fé e interesses escusos, pura e simplesmente – em torno da soberania da Amazônia.

De um lado, latifundiários – apoiados até por um segmento dos meios militares – atacam a criação de áreas protegidas como a da Raposa Serra do Sol por “colocar em risco a soberania do Brasil sobre a Amazônia”.

De outro – um lado mais obscuro ainda –, surgem ataques indiscriminados às organizações não-governamentais que atuam naquela região. Não que sejam todas representadas por anjos e querubins no mais sagrado dos interesses, mas há que se separar o joio do trigo.

Aliás, não será nenhuma surpresa se eu receber, neste humilde espaço, manifestações de ira babucha contra mim como “um representante do World Wildlife Fund (WWF), a serviço do imperialismo britânico”, quando, na verdade, trabalho para o WWF-Brasil (sem tradução), uma organização nacional brasileira que atua em rede com outras centenas no mundo todo, com diretoria brasileira, técnicos brasileiros e, principalmente, pauta e prioridades brasileiras.

Mas eu não estou aqui para defender o WWF-Brasil ou qualquer ONG. Voltemos, portanto, ao assunto.

A palavra de ordem destes grupos é a tal soberania. Então vejamos o que nos diz o mestre Aurélio:

Soberania. [de soberano + -ia.] S.f 1. Qualidade de soberano (...). 2. Poder ou autoridade suprema de soberano (...). 3. Autoridade moral, tida como suprema; poder supremo (...). 4. Propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior. 5. Complexo dos poderes que formam uma nação politicamente organizada.

Assim, agradeçamos ao mestre e vamos pensar um pouco: alguém poderia me dizer aonde anda o Estado ou a nação soberana cuja autoridade encarregada da reforma agrária declara que “A Amazônia é um mundo desconhecido; ninguém sabe quem está lá”, como fez Rolf Hackbart, presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)?

Este mesmo senhor foi à imprensa avisar que 14% da Amazônia são de ninguém sabe quem. São 710,2 mil quilômetros quadrados — área equivalente a duas vezes a Alemanha.

E o pior é que os pequenos (ribeirinhos, índios, não-índios, caboclos, extrativistas, pescadores etc.) lá estão e não estão. Não são os donos, são, muitos deles, propriedade de latifundiários grileiros, fazendeiros-coronéis.

O Estado, este não. Lá não está. Assassinatos impunes, tortura, trabalho escravo, todo tipo de barbaridade cometida com a autoridade “suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem (ou autoridade) superior” fazem parte de um enredo de terra-de-ninguém.

É claro que, felizmente, e justiça seja feita, aqui também cabe o princípio do joio e do trigo, quanto aos empreendedores da região.

O mais importante, julgo modestamente, é que a “nação politicamente organizada” precisa, urgentemente, tomar posse de seu território e cuidar de sua gente. Assumir a sua autoridade e servir, como Estado, aos interesses de todos na região.

A soberania-pátria-amada-salve-salve não passa de tática diversionista dos reais soberanos da Amazônia. Esta discussão deveria começar em casa, onde os “estrangeiros” são os que vivem à margem da lei dos mortais como nós, são donos de seus domínios e da gente que lá vive. São brasileiros.

Enquanto isto, atenção: olho vivo nos gringos!